“Os Dez Pontos Essenciais do Taijiquan” (《太极拳十大要论》) é uma obra fundamental atribuída a Chen Changxing (陳長興, 1771-1853), um mestre da 14ª geração da família Chen de Taijiquan. Chen Changxing é uma figura crucial na história do Taijiquan, pois foi ele quem transmitiu os ensinamentos da arte a Yang Luchan (楊露禪, 1799-1872), o fundador do influente estilo Yang de Taijiquan. Este texto, que se apresenta como uma série de dez tratados interligados, é considerado um dos pilares teóricos do Taijiquan tradicional, oferecendo uma sistematização profunda dos princípios que guiam a prática dessa arte marcial interna.

A compilação atual do texto provém de duas versões principais, conhecidas como “Zhao ben” (赵本) e “Wang ben” (旺本), as quais foram mutuamente cotejadas para a formação da presente edição. Curiosamente, ambas as versões não especificam a origem ou a autoria original de sua compilação.

A leitura de “Os Dez Pontos Essenciais” revela claramente a influência do pensamento da Escola da Razão (理学派 – Lǐxué Pài) dos períodos Song e Ming da filosofia Confuciana. Essa influência se manifesta na abordagem do texto, que busca conciliar a complexidade da prática marcial com princípios cosmológicos e filosóficos sobre a natureza da realidade, a unidade na dualidade e a importância da retidão moral e do auto-cultivo para a verdadeira maestria. O tratado de Chen Changxing, portanto, transcende a mera instrução técnica, servindo como um guia abrangente para a integração do corpo, da mente e do espírito na prática do Taijiquan

Marco Moura no museu da antiga residência de Chen Changxing
Marco Moura no museu da antiga residência de Chen Changxing – Chenjiagou, China, 2024

陈长兴太极拳十大要论

一、理

夫物,散必有统,分必有合,天地间四面八方,纷纷者各有所属,千头万绪, 攘攘者自有其源。要论盖一本可散为万殊,而万殊咸归於一本,拳术之学,亦不外此公例。夫太极拳者,千变万化,无往非劲,势虽不侔,而劲归於一,夫所谓 一者,自顶至足,内有脏俯筋骨,外有肌肤皮肉,四肢百骸相联而为一者也。 破之而不开,撞之而不散,上欲动而下自随之,下欲动而上自领之,上下动而 中部应之,中部动而上下和之,内外相连,前後相需,所谓一以贯之者,其斯 之谓欤!而要非勉强以致之,袭焉而为之也。当时而动,如龙如虎,出乎而尔, 急加电闪。当时而静,寂然湛然,居其所而稳如山岳。且静无不静,表里上下 全无参差牵挂之意,动无不动,前後左右均无游疑抽扯之形,洵乎若水之就下, 沛然莫能御之也。若火机之内攻,发之而不及掩耳。不暇思索,不烦拟议,诚 不期然而己然。盖劲以积日而有益,工以久练而後成,观圣门一贯之学,必俟 多闻强识,格物致知,力能有功,是知事无难易,功惟自进,不可躐等,不可 急就,按步就序,循次渐进,夫而後百骸筋节,自相贯通,上下表里,不难联 络,庶乎散者统之,分者合之,四肢百骸总归於一气矣。

Os Dez Pontos Essenciais do Taijiquan de Chen Changxing

1) 理 (Lǐ) – Princípio

“Ora, as coisas, se dispersas, devem se unificar; se divididas, devem se reunir. Entre o Céu e a Terra, em todas as direções, as coisas diversas e numerosas têm seu próprio lugar de pertencimento. As inúmeras complexidades e as massas agitadas têm sua própria origem. [Não é de admirar que] uma única fonte possa se espalhar em dez mil ramificações, e que as dez mil ramificações, por sua vez, retornem à mesma fonte. A arte do boxe (kung fu de punho) não é exceção a esta regra geral.

Quanto ao Taijiquan, que possui mil mudanças e dez mil transformações, não há momento em que não haja ‘jing’ (força intrínseca). Embora as posturas possam não ser idênticas, a ‘jing’ retorna a uma (unidade). O que se quer dizer com ‘um’ é que, do topo da cabeça aos pés, internamente há órgãos (zangfu), tendões e ossos, e externamente há músculos, pele e carne. Os quatro membros e as cem articulações estão interligados para formar uma unidade.

Se empurrado, não se desfaz; se colidido, não se dispersa. Se a parte superior deseja mover-se, a parte inferior a segue naturalmente. Se a parte inferior deseja mover-se, a parte superior a lidera naturalmente. Se a parte superior e inferior se movem, o meio responde. Se o meio se move, a parte superior e inferior se harmonizam. O interior e o exterior estão conectados, o que está à frente e o que está atrás precisam um do outro. É isso que se quer dizer com ‘ser penetrado por uma unidade’ (一以貫之 – yī yǐ guàn zhī).

E isso não se alcança por esforço forçado, nem por imitação. Quando é o momento de mover-se, [a ação é] como a de um dragão ou um tigre, espontânea e imediata, como um raio. Quando é o momento de ficar em repouso, [a quietude é] silenciosa e profunda, estável como uma montanha em seu lugar. E a quietude é completamente quieta, sem a menor intenção de desarmonia ou apego em sua totalidade (interior e exterior, acima e abaixo). O movimento é completamente em movimento, sem a menor hesitação ou puxão nos movimentos para frente e para trás, esquerda e direita. É verdadeiramente como a água que flui para baixo, que nada pode impedir. É como a energia do fogo atacando por dentro, que explode antes que se possa cobrir os ouvidos. Não há tempo para pensar, não há necessidade de deliberação; é genuinamente inesperado, mas acontece por si só.

De fato, a ‘jing’ (força intrínseca) aumenta com a prática diária, e o ‘gong’ (habilidade, esforço) só é formado com o treinamento prolongado. Observando o estudo da ‘unidade penetrante’ (一貫 – yī guàn) na escola dos sábios, deve-se esperar por muita escuta (aprendizado) e forte memória, ‘investigar as coisas para estender o conhecimento ao máximo’ (格物致知 – gé wù zhì zhī), e ter a capacidade de realizar o trabalho. Assim, sabe-se que não há tarefas difíceis ou fáceis; o ‘gong’ (habilidade) só avança por si mesmo. Não se pode pular estágios, nem apressar o processo. Siga os passos e a sequência, avance gradualmente e em ordem. Só então os cem ossos e articulações se interligarão por si mesmos, e a conexão entre o que está acima e o que está abaixo, o interior e o exterior, não será difícil. Dessa forma, o que estava disperso será unificado, o que estava dividido será unido, e os quatro membros e as cem articulações retornarão todos a uma única corrente de qi.”

Comentários sobre a Primeira Parte (“Princípio”):

Esta seção estabelece a base filosófica do Taijiquan de Chen Changxing.

  1. Unidade Fundamental (一以貫之 – yī yǐ guàn zhī): O texto começa com um conceito cosmológico, onde tudo no universo, apesar de sua diversidade, tem uma origem comum e retorna a ela. Aplica essa ideia ao Taijiquan, afirmando que, apesar das “mil mudanças e dez mil transformações” e da variedade de posturas, a força (jing) e o corpo se unificam em um único ponto ou princípio.
  2. Corpo como Unidade Integrada: Descreve a interconexão completa do corpo, de cima para baixo, por dentro (órgãos, tendões, ossos) e por fora (músculos, pele). Essa unidade é tão coesa que não pode ser desfeita (“破之而不開,撞之而不散” – empurrar e não desmoronar, colidir e não se dispersar).
  3. Coordenação Automática: Enfatiza a resposta automática e interdependente das partes do corpo: se o topo se move, o fundo segue; se o fundo se move, o topo lidera; o meio responde e harmoniza tudo. Essa é a essência do “一以貫之” (ser penetrado por uma unidade).
  4. Movimento e Quietude Espontâneos: O texto descreve a natureza ideal do movimento e da quietude no Taijiquan.
    • Movimento: Como dragão ou tigre, espontâneo, imediato, como um raio, sem hesitação. É fluido e imparável, como a água que desce.
    • Quietude: Silenciosa, profunda, estável como uma montanha, sem apegos ou tensões (表裏上下全無參差牽挂之意).
    • Ambos os estados acontecem “sem pensar”, “sem deliberação”, de forma “inesperada, mas por si só” (誠不期然而己然).
  5. Atingindo a Habilidade (Gong – 功): O parágrafo final ressalta que essa unidade e espontaneidade não são alcançadas por esforço forçado, mas por meio da prática prolongada e gradual. Compara o aprendizado do Taijiquan ao estudo dos sábios, que exige “muita escuta”, “forte memória” e a “investigação das coisas para estender o conhecimento”. A ênfase é na paciência e no avanço passo a passo, sem pular estágios ou se apressar. É a prática consistente que leva à “unificação” e à circulação harmoniosa do qi.

Este “Princípio” é a espinha dorsal de todo o sistema, estabelecendo a base para os requisitos mais específicos que Chen Changxing abordaria em seus outros “Essenciais”. A linguagem é densa e filosófica, característica dos clássicos chineses, mas é rica em instruções práticas implícitas.


二、气

天地间未有一往而不返者,亦未常有直而无曲者矣;盖物有对待,势有回还, 古今不易之理也。常有世之论捶者,而兼论气者矣。夫主於一,何分为二?所 谓二者,即呼吸也,呼吸即阴阳也。捶不能无动静,气不能无呼吸。呼则为阳, 吸则为阴,上升为阳,下降为阴,阳气上升而为阳,阳气下行而为阴,阴气上 升即为阳,阴气下行仍为阴,此阴阳之所以分也。何谓清浊?升而上者为清, 降而下者为浊,清者为阳,浊者为阴,然分而言之为阴阳,浑而言之统为气。 气不能无阴阳,即所谓人不能无动静,鼻不能无呼吸,口不能无出入,而所以 为对待迥还之理也。然则气分为二,而贯於一,有志於是途者,甚勿以是为拘 拘焉耳。

2) 氣 (Qì) – Energia/Sopro

“Entre o Céu e a Terra, nunca houve algo que fosse apenas para frente e não retornasse; nem houve algo que fosse apenas reto e sem curvatura. De fato, as coisas possuem polaridades (opostos), e o ímpeto (da força/ação) tem seu retorno (de giro/circulação) – este é um princípio imutável desde a antiguidade.

Frequentemente, aqueles que discutem as técnicas de punho (捶 – chuí) também discutem o Qi. Ora, se a base é uma (unidade), por que se divide em duas? As chamadas ‘duas’ (partes) são a respiração; a respiração é o Yin e o Yang. As técnicas de punho não podem existir sem movimento e quietude; o Qi não pode existir sem expiração e inspiração.

Expirar (呼) é Yang, inspirar (吸) é Yin. Subir é Yang, descer é Yin. O Qi Yang que sobe é Yang; o Qi Yang que desce é Yin. O Qi Yin que sobe é Yang; o Qi Yin que desce ainda é Yin. Esta é a razão pela qual o Yin e o Yang se dividem.

O que são claro (清 – qīng) e turvo (濁 – zhuó)? O que sobe é claro; o que desce é turvo. O claro é Yang, o turvo é Yin. No entanto, quando separados, fala-se em Yin e Yang; quando combinados (como um todo), tudo é Qi. O Qi não pode existir sem Yin e Yang, o que significa que o ser humano não pode existir sem movimento e quietude, o nariz não pode existir sem expiração e inspiração, e a boca não pode existir sem abertura e fechamento. Esta é a razão do princípio das polaridades e do retorno cíclico.

Assim, o Qi se divide em dois (Yin e Yang), mas é unificado por um (princípio). Aqueles que têm aspirações neste caminho não devem se prender rigidamente a isso.”

Comentários sobre a Segunda Parte (“Qi”):

Esta seção aprofunda o conceito de “Qi” (energia vital) no Taijiquan, conectando-o diretamente à filosofia do Yin e Yang e ao movimento do corpo.

  1. O Princípio da Reciprocidade (Ida e Volta, Reto e Curvo): O texto começa reforçando a ideia de que tudo no universo é cíclico e dialético – não há só ida sem volta, nem só reto sem curvo. Isso estabelece a base para entender como o Qi e o movimento se manifestam no corpo. É uma metáfora para a fluidez e a adaptabilidade no Taijiquan.
  2. Qi e Respiração como Yin e Yang: O Qi é a “unidade”, mas sua manifestação se dá através da “dualidade” da respiração (inspiração/expiração), que é a representação mais direta do Yin e Yang no corpo.
    • Respiração (Hū Xī – 呼吸): Expirar é Yang, inspirar é Yin.
    • Movimento de Qi (Ascensão/Descida): Subir é Yang, descer é Yin.
  3. Natureza Dinâmica do Qi (Qi Yang e Qi Yin): O texto explica de forma mais sutil que não apenas o Qi Yang e o Qi Yin são distintos, mas que o movimento deles também pode mudar sua polaridade.
    • Qi Yang subindo é Yang.
    • Qi Yang descendo é Yin (porque está em movimento descendente).
    • Qi Yin subindo é Yang (porque está em movimento ascendente).
    • Qi Yin descendo é Yin. Esta é uma explicação profunda sobre a natureza mutável e interdependente do Yin e Yang no Taijiquan, onde a polaridade é definida pelo estado ou direção do movimento, não apenas pela natureza intrínseca do Qi.
  4. Claro (清 – qīng) e Turvo (濁 – zhuó): O Qi também é dividido em claro (que sobe, Yang) e turvo (que desce, Yin). No entanto, o texto enfatiza que, embora se possa analisar o Qi em termos de Yin e Yang ou claro e turvo, em sua essência e como um todo, “tudo é Qi”.
  5. Aplicações no Corpo: A interdependência do Yin e Yang do Qi é análoga à necessidade de movimento e quietude no ser humano, à respiração do nariz e à abertura e fechamento da boca (que simbolizam contração e expansão, receber e emitir). Isso reforça o “princípio das polaridades e do retorno cíclico” (對待迥還之理 – duì dài huí hái zhī lǐ).
  6. Unidade na Dualidade: Apesar de o Qi se dividir em dois (Yin e Yang), ele é “unificado por um”. Aconselha-se a quem pratica Taijiquan a não se prender rigidamente a essas distinções, mas a compreender a unidade subjacente.

Esta seção do texto é crucial para entender a circulação da energia no Taijiquan e como ela se manifesta nas mudanças de movimento e nas posturas. O conceito de “reeling silk” (enrolar a seda) no estilo Chen está diretamente relacionado a essa ideia de Yin e Yang se transformando e alternando no fluxo do Qi.


三、三节

夫气本诸身,而身节部甚繁,若逐节论之,则有远乎拳术之宗旨,惟分为三节 而论,可谓得其截法:三节上、中、下,或根、中、梢也。以一身言之;头为 上节,胸为中节,腿为下节。以头面言之,额为上节,鼻为中节,口为下节以 中身言之,胸为上节,腹为中节,丹田为下节。以腿言之,膀为根节,膝为中节,足为梢节。以臂言之,膊为根节,肘为中节,手为梢节。以手言之,腕为 根节,掌为中节,指为梢节。观於此,而足不必论矣。然则自顶至足,莫不各 有三节也,要之,既莫非三节之所,即莫非著意之处,盖上节不明,无依无宗, 中节不明,满腔是空,下节不明,颠覆必生。由此观之,身三节部,岂可忽也? 至於气之发动,要从梢节起,中节随,根节催之而已。此固分而言之;若合而 言之,则上自头顶,下至足底,四肢百骸,总为一节,夫何为三节之有哉!又 何三节中之各有三节云乎哉!

3) 三節 (Sān Jié) – Três Seções

“Ora, o Qi (energia vital) tem sua origem no corpo, e as seções do corpo são muito numerosas. Se discutirmos cada seção individualmente, isso se afastaria do propósito da arte do punho. Somente ao dividir [o corpo] em três seções para discuti-lo, podemos dizer que se apreende o método essencial: as Três Seções são superior, média e inferior; ou raiz, meio e ponta (ou extremidade).

Considerando o corpo como um todo: a cabeça é a seção superior, o tórax (peito) é a seção média, e as pernas são a seção inferior.

Considerando a face: a testa é a seção superior, o nariz é a seção média, e a boca é a seção inferior.

Considerando o tronco: o tórax é a seção superior, o abdômen é a seção média, e o Dantian é a seção inferior.

Considerando a perna: a coxa é a seção raiz, o joelho é a seção média, e o pé é a seção ponta (extremidade).

Considerando o braço: o ombro é a seção raiz, o cotovelo é a seção média, e a mão é a seção ponta (extremidade).

Considerando a mão: o pulso é a seção raiz, a palma é a seção média, e os dedos são a seção ponta (extremidade).

Observando isso, não é necessário discutir o pé [separadamente] agora. Assim, do topo da cabeça aos pés, não há parte que não tenha suas próprias três seções. Em suma, onde quer que haja uma seção, há um lugar para focar a intenção. Se a seção superior não estiver clara, não há apoio nem direção. Se a seção média não estiver clara, [haverá] um vazio total (pleno de vazio). Se a seção inferior não estiver clara, a derrubada (desequilíbrio) certamente ocorrerá.

Diante disso, como podemos negligenciar as três seções do corpo? Quanto à ativação do Qi, é essencial que ele comece na seção ponta (extremidade), a seção média o siga, e a seção raiz o impulsione (催 – cuī). Isso é quando se fala de forma separada.

Mas, se falarmos de forma unificada, então, do topo da cabeça até a sola dos pés, os quatro membros e as cem articulações são, no total, uma única seção. Então, por que haveria três seções? E por que cada uma das três seções conteria suas próprias três seções?”

Comentários sobre a Terceira Parte (“Três Seções”):

Esta é uma das explicações mais sistemáticas e importantes da mecânica corporal no Taijiquan tradicional do estilo Chen.

  1. Princípio da Divisão em Três (三節 – Sān Jié): O texto argumenta que, embora o corpo tenha inúmeras partes, para fins de prática do Taijiquan, ele é eficazmente dividido em três seções principais: superior, média e inferior, ou, em termos de função energética e de força, raiz, meio e ponta/extremidade.
  2. Mapeamento das Três Seções no Corpo:
    • Corpo como um Todo: Cabeça (superior), Tórax (médio), Pernas (inferior).
    • Face: Testa (superior), Nariz (médio), Boca (inferior).
    • Tronco: Tórax (superior), Abdômen (médio), Dantian (inferior). Esta é uma distinção muito importante, enfatizando a relevância do Dantian como a “seção inferior” e base energética do tronco.
    • Perna: Coxa (raiz), Joelho (médio), Pé (ponta/extremidade).
    • Braço: Ombro (raiz), Cotovelo (médio), Mão (ponta/extremidade).
    • Mão: Pulso (raiz), Palma (médio), Dedos (ponta/extremidade). Essa subdivisão hierárquica mostra como o princípio das três seções se aplica a cada parte do corpo, garantindo que não haja pontos “mortos” ou desconectados.
  3. Importância da Intenção (著意 – Zhù Yì): Cada “seção” é um ponto de foco para a intenção. A clareza e a vitalidade de cada seção são essenciais para o Taijiquan:
    • Seção Superior (cabeça) incerta: Sem direção, sem apoio.
    • Seção Média (tórax/abdômen) incerta: Sensação de vazio (físico ou energético), falta de controle central.
    • Seção Inferior (pernas) incerta: Resulta em desequilíbrio e queda. Isso ecoa a “mente é o comandante do Qi” da parte anterior. A intenção deve estar presente em cada parte do corpo para que a força seja unificada.
  4. Ativação do Qi e o Fluxo de Força: O fluxo ideal do Qi e da força é descrito como começando na ponta (extremidade), sendo seguido pelo meio, e impulsionado pela raiz.
    • Ponta/Extremidade (梢節 – Shāo Jié) inicia: Os dedos das mãos ou pés são os primeiros a se mover ou a sentir a intenção.
    • Meio (中節 – Zhōng Jié) segue: Cotovelo/joelho coordena e amplia o movimento.
    • Raiz (根節 – Gēn Jié) impulsiona/empurra: Ombro/quadril/coxa fornece a força principal e a conexão com o centro. Essa dinâmica (iniciar na ponta, seguir no meio, impulsionar na raiz) é fundamental para gerar a força espiral e contínua do Taijiquan (Chan Si Jin – força de enrolar a seda).
  5. Reafirmação da Unidade: O parágrafo final, de forma filosófica, reflete sobre a aparente contradição: se tudo é uma unidade (como afirmado na Parte Um), por que dividir em três seções? A resposta implícita é que a divisão em três seções é uma ferramenta didática e analítica para entender e treinar a manifestação da unidade. Em última análise, todas as seções e subdivisões retornam à ideia de que “todo o corpo é uma única seção” quando a prática alcança o nível de maestria e a unidade está completa.

Esta parte oferece uma estrutura clara para entender como o corpo deve ser trabalhado no Taijiquan, do macro ao micro, e como a força é gerada e transmitida através das articulações e segmentos.


四、四梢

於论身之外,而进论四梢。夫四梢者,身之余褚也;言身者初不及此,言气者 亦所罕闻,然捶以由内而发外,气本诸身而发梢,气之为用,不本诸身,则虚 而不实;不行於梢,则实而仍虚?若手指足特论身之梢耳! 而未及梢之梢也。四梢惟何?发其一也,夫发之所系,不列於五行,无关於四 体,是无足论矣,然发为血之梢,血为气之海,纵不本诸发而论气,要不可虽 乎血以生气;不虽乎血,即不得不兼乎发,为肉之梢,而肉为气之仁,气不能行诸肉之梢,即气无以充其气之量,故必舌欲催 齿,而肉梢足矣。至於骨梢者,齿也,筋梢者,指甲也,气生於骨而联於筋, 不及乎齿,即不及乎骨之梢,不及乎指甲,即不及乎筋之梢,而欲足尔者,要 非齿欲斯筋,甲欲透骨不能也。果能如此,则四梢足矣。四梢足,而气自足矣, 岂复有虚而不宜,实而仍虚之弊乎!

4) 四梢 (Sì Shāo) – Quatro Pontas/Extremidades

“Tentemos, para além da discussão sobre o corpo, avançar para a discussão das Quatro Pontas (Extremidades). As Quatro Pontas são os ‘restos’ do corpo; ao falar do corpo, raramente se chega a isso, e ao falar do Qi, isso é pouco ouvido. No entanto, o ‘chuí’ (técnica de punho/golpe) se origina no interior e se manifesta no exterior, e o Qi, que tem sua base no corpo, se manifesta nas pontas.

Se o uso do Qi não tiver sua base no corpo, ele será vazio e não real; se não fluir até as pontas, mesmo que seja real [na origem], ainda será vazio [na manifestação]. Poderiam as pontas ser negligenciadas? Os dedos das mãos e dos pés são meramente as pontas do corpo! Mas ainda não se chegou às ‘pontas das pontas’.

Quais são as Quatro Pontas?

  1. O Cabelo (發 – Fā) é uma delas. O que está ligado ao cabelo não está listado nos Cinco Elementos, nem se relaciona com os Quatro Membros. Portanto, não há muito a discutir, mas o cabelo é a ponta do sangue (血 – xuè), e o sangue é o mar do Qi. Mesmo que não se baseie no cabelo para discutir o Qi, não se pode desprezar o sangue para gerar Qi. Sem levar em conta o sangue, é inevitável incluir o cabelo. O cabelo deve querer ‘se arrepiar e tocar a coroa da cabeça’ (發欲沖冠), então a ponta do sangue é suficiente.
  2. A Língua (舌 – Shé) é a ponta da carne (肉 – ròu), e a carne é o ‘miolo’ do Qi (氣之仁 – qì zhī rén). Se o Qi não puder fluir até a ponta da carne, o Qi não terá como preencher sua medida (量 – liàng). Portanto, a língua deve querer ‘impulsionar os dentes’ (舌欲催齒), e então a ponta da carne é suficiente.
  3. Quanto à ponta do osso (骨梢 – gǔ shāo), é o Dente (齒 – Chǐ).
  4. Quanto à ponta do tendão (筋梢 – jīn shāo), são as Unhas (指甲 – Zhǐjiǎ). O Qi nasce nos ossos e se conecta aos tendões. Se não chegar aos dentes, não chegará à ponta do osso. Se não chegar às unhas, não chegará à ponta do tendão. Para que isso seja suficiente, é necessário que o dente queira ‘impulsionar os tendões’ (齒欲斯筋), e a unha queira ‘penetrar o osso’ (甲欲透骨) – sem isso, não é possível.

Se [o praticante] for capaz de alcançar isso, então as Quatro Pontas estarão completas. Se as Quatro Pontas estiverem completas, o Qi naturalmente estará completo. Como poderia haver o defeito de ser ‘vazio e inadequado’ ou ‘real [na origem] mas ainda vazio [na manifestação]’?”

Comentários sobre a Quarta Parte (“Quatro Pontas”):

Esta seção é notável por sua abordagem sobre os pontos mais distantes do corpo, que Chen Changxing chama de “Quatro Pontas” ou “extremidades das extremidades”. Ele argumenta que, embora muitas vezes negligenciadas, essas pontas são cruciais para a manifestação plena do Qi e da força (Jing).

  1. Conexão Interno-Externo e a Importância das Pontas:
    • Reafirma que a força (chuí) se manifesta de dentro para fora, e o Qi, que tem sua base no corpo, se estende até as pontas.
    • Crítica: Se o Qi não se baseia no corpo, é “vazio e não real”. Se não alcança as pontas, mesmo que a base seja “real”, a manifestação final será “vazia”. Isso enfatiza que a integração deve ser total, até as menores e mais distantes partes do corpo.
  2. As Quatro Pontas e Suas Funções Energéticas:
    • Cabelo (發 – Fā) – A Ponta do Sangue (血之梢): Embora pareça insignificante e não ligado diretamente aos elementos ou membros, o cabelo é visto como a extremidade do sangue. O sangue, por sua vez, é o “mar do Qi”. A ideia de “cabelo que quer arrepiar e tocar a coroa” (發欲沖冠) não é apenas uma imagem poética de bravura, mas um indicador de que o Qi está tão cheio que chega até a ponta mais distante do sistema circulatório do sangue. Isso mostra um estado de plenitude energética.
    • Língua (舌 – Shé) – A Ponta da Carne (肉之梢): A carne é considerada o “miolo” ou “substrato” do Qi. Se o Qi não alcança a língua, ele não consegue preencher a carne completamente. A instrução “a língua deve querer impulsionar os dentes” (舌欲催齒) indica uma ativação energética que se estende por toda a massa muscular, da profundidade até a superfície.
    • Dente (齒 – Chǐ) – A Ponta do Osso (骨梢): Os dentes são as extremidades dos ossos. O Qi nasce nos ossos. Se o Qi não chega aos dentes, não alcança as extremidades ósseas. A exigência é que o “dente queira impulsionar os tendões” (齒欲斯筋), indicando uma plenitude óssea.
    • Unhas (指甲 – Zhǐjiǎ) – A Ponta do Tendão (筋梢): As unhas são as extremidades dos tendões. O Qi se conecta aos tendões. Se o Qi não chega às unhas, não alcança as extremidades tendinosas. A instrução “a unha deve querer penetrar o osso” (甲欲透骨) descreve uma tensão e uma plenitude que se estendem por todo o sistema de tendões.
  3. A Plenitude Total do Qi: A conclusão é que, se essas Quatro Pontas estiverem “suficientes” ou “completas” (足矣 – zú yǐ), o Qi estará automaticamente completo e abundante em todo o corpo. Isso elimina os problemas de “vazio e inadequado” (虛而不宜) ou de ser “real [na origem] mas ainda vazio [na manifestação]” (實而仍虛), garantindo uma manifestação plena e eficaz da força intrínseca (Jing) e do Qi.

Esta seção destaca a atenção meticulosa aos detalhes no Taijiquan e como até as menores partes do corpo são consideradas canais e pontos de manifestação do Qi e da intenção. Isso se traduz na prática em uma sensação de “electricidade” ou vitalidade até as pontas dos dedos e dos pés, e uma força que parece se estender para além do corpo físico.


五、五脏

夫捶以言势,势以言气,人得五脏以成形,即由五脏而生气,五脏实为性命之 源,生气之本,而名为心,肝,脾,肺,肾也。心属火,而有炎上之象。肝属木, 而有曲直之形。脾属土,而有敦厚之势,肺属金,而有从革之能。肾属水,而 有润下之功。此及五脏之义而犹准之於气,皆有所配合焉。凡世之讲拳术者, 要不能离乎斯也。其在於内胸廊为肺经之位,而肺为五脏之华;盖故肺经动 , 而诸脏不能不动也。两乳之中为心,而肺抱护之。肺之下膈之上,心经之位也 。心为君,心火动,而相火无不奉命焉;而两乳之下,右为肝,左为脾,背之 十四骨节为肾,至於腰为两背之本位,而为先天之第一,又为诸脏之根源;故 肾足,则金木,水,火,土,无不各显生机焉。此论五脏之部位也。然五脏之 存乎内者,各有定位,而见於身者,亦有专属,但地位甚多,难以尽述,大约 身之所系,中者属心,窝者属肺,骨之露处属肾,筋之联处属肝,肉之厚处属 碑,想其意,心如猛,肝如箭,脾之力大甚无穷,肺经之位最灵变,肾气之动 快如风,是在当局者自为体验,而非笔墨所能尽罄者也。

5) 五臟 (Wǔ Zàng) – Cinco Órgãos

“Ora, as técnicas de punho (捶 – chuí) falam de ímpeto, e o ímpeto fala de Qi. O ser humano obtém sua forma pelos Cinco Órgãos, e é a partir dos Cinco Órgãos que o Qi é gerado. Os Cinco Órgãos são, na verdade, a fonte da vida e da natureza essencial, a raiz da geração de Qi, e são nomeados: Coração (心 – xīn), Fígado (肝 – gān), Baço (脾 – pí), Pulmões (肺 – fèi) e Rins (腎 – shèn).

O Coração pertence ao fogo, e tem a imagem de ‘chamar para cima’. O Fígado pertence à madeira, e tem a forma de ‘curvar-se e endireitar-se’. O Baço pertence à terra, e tem o ímpeto de ser ‘sólido e abundante’. Os Pulmões pertencem ao metal, e têm a capacidade de ‘seguir a reforma’. Os Rins pertencem à água, e têm a função de ‘umedecer para baixo’. Isso se refere ao significado dos Cinco Órgãos e, ao aplicá-los ao Qi, todos eles possuem correspondências. Aqueles que estudam a arte do punho não podem se afastar disso.

Quanto ao interior, a área do tórax é a posição do meridiano do Pulmão, e o Pulmão é a ‘flor’ dos Cinco Órgãos; portanto, quando o meridiano do Pulmão se move, os outros órgãos não podem deixar de se mover também. Entre os dois mamilos está o Coração, e o Pulmão o envolve e protege. Abaixo do Pulmão e acima do diafragma está a posição do meridiano do Coração. O Coração é o soberano; quando o fogo do Coração se move, o fogo auxiliar (相火 – xiàng huǒ) obedece à sua ordem.

Abaixo dos dois mamilos, à direita está o Fígado e à esquerda está o Baço. As quatorze vértebras das costas são os Rins. Quanto à cintura, é a posição fundamental das duas costas, e é o ‘primeiro do pré-natal’ (先天之第一 – xiāntiān zhī dì yī), e também a raiz de todos os órgãos; portanto, se os Rins forem suficientes, então Metal, Madeira, Água, Fogo e Terra (os Cinco Elementos) manifestarão plenamente sua vitalidade. Esta é a discussão sobre as posições dos Cinco Órgãos.

No entanto, os Cinco Órgãos, que residem internamente, têm suas posições fixas, mas as manifestações visíveis no corpo também têm suas atribuições específicas. No entanto, há muitas posições [de Qi] e é difícil descrevê-las todas. Grosso modo: o que é central no corpo pertence ao Coração; o que é côncavo (窩 – wō) pertence aos Pulmões; os pontos onde os ossos são proeminentes pertencem aos Rins; as conexões dos tendões pertencem ao Fígado; as áreas com maior espessura de carne pertencem ao Baço.

Imaginando suas intenções: o Coração é como um tigre feroz; o Fígado é como uma flecha; a força do Baço é imensa e ilimitada; a posição do meridiano do Pulmão é a mais ágil e mutável; e o movimento do Qi dos Rins é rápido como o vento. Isso deve ser experimentado pessoalmente por quem o pratica, e não pode ser plenamente expresso com palavras ou tinta.”

Comentários sobre a Quinta Parte (“Cinco Órgãos”):

Esta seção é um elo crucial entre a filosofia do Qi e as aplicações físicas no Taijiquan, baseando-se na teoria dos Cinco Órgãos (Zang) da Medicina Tradicional Chinesa (MTC).

  1. Fundamentação no Zangfu (Órgãos Internos): Chen Changxing afirma que a forma humana e a geração de Qi derivam dos Cinco Órgãos (Coração, Fígado, Baço, Pulmões, Rins), que são a “fonte da vida e da natureza essencial”. Isso estabelece uma conexão direta entre a saúde interna e a eficácia marcial.
  2. Correspondências dos Cinco Elementos e Imagens de Movimento: Cada órgão é associado a um dos Cinco Elementos (Fogo, Madeira, Terra, Metal, Água) e a uma característica de movimento ou energia que deve ser emulada na prática do Taijiquan:
    • Coração (Fogo): “Chamar para cima” (炎上之象) – energia ascendente, brilhante.
    • Fígado (Madeira): “Curvar-se e endireitar-se” (曲直之形) – flexibilidade, expansão e contração.
    • Baço (Terra): “Sólido e abundante” (敦厚之勢) – enraizamento, estabilidade, grande força (脾之力大甚無窮).
    • Pulmões (Metal): “Seguir a reforma” (從革之能) – agilidade, mudança (肺經之位最靈變).
    • Rins (Água): “Umedecer para baixo” (潤下之功) – afundamento, fluidez, rapidez (腎氣之動快如風). Essas correspondências fornecem orientações internas para a qualidade do movimento.
  3. Localização e Interconexão dos Órgãos: O texto descreve as localizações físicas aproximadas e as relações energéticas dos órgãos, como o Pulmão envolvendo o Coração e o Dantian (associado ao abdômen inferior) como a “raiz de todos os órgãos” e o “primeiro do pré-natal” (先天之第一 – xiāntiān zhī dì yī). Isso sublinha a importância da cintura e dos Rins como a base da força interna.
  4. Manifestação Externa e Intenção: Embora os órgãos estejam internamente, suas funções se manifestam externamente no corpo. O texto dá exemplos de como diferentes partes do corpo refletem a energia dos órgãos:
    • Coração: Central.
    • Pulmões: Áreas côncavas (como as axilas, o peito).
    • Rins: Pontos ósseos proeminentes.
    • Fígado: Conexões dos tendões.
    • Baço: Áreas mais espessas de carne. A parte final é enfática: essas qualidades não podem ser totalmente descritas, mas devem ser experimentadas pessoalmente pelo praticante. A imaginação e a intenção (意 – yì) são usadas para direcionar essas qualidades energéticas. Por exemplo, a força do Coração é como um tigre feroz, a agilidade do Fígado como uma flecha, e o Qi dos Rins rápido como o vento.

Esta seção solidifica a ideia de que o Taijiquan não é apenas um exercício físico, mas uma arte interna profundamente ligada à fisiologia energética da MTC, onde a consciência e a intenção (意) direcionam o Qi e a força através dos canais internos, começando pelos órgãos Zang.


六、三合

五脏既明,再论三合,夫所谓三合者,心与意合,气与力合,筋与骨合,内三 台也。手与足合,肘与膝合,肩与膀合,外三合也。若以左手与右足相合,左 肘与右膝相合,左肩与右膀相合,右肩与左亦然。以头与手合,手与身合,身 与步合,孰非外合。心与目合,肝与筋合,脾与肉合,肺与身合,肾与骨合, 执非内合。然此特从变而言之也。总之。一动而无不动,一合而无不合,五脏 百骸悉在其中矣。

6) 三合 (Sān Hé) – Três Harmonias

“Uma vez que os Cinco Órgãos estão claros, discute-se então as Três Harmonias. Ora, as chamadas Três Harmonias são:

E mais: a mão esquerda se harmoniza com o pé direito, o cotovelo esquerdo se harmoniza com o joelho direito, o ombro esquerdo se harmoniza com o quadril direito; o ombro direito com o esquerdo e assim por diante.

A cabeça se harmoniza com a mão, a mão se harmoniza com o corpo, o corpo se harmoniza com o passo – qual desses não é uma harmonia externa? O coração se harmoniza com os olhos, o fígado se harmoniza com os tendões, o baço se harmoniza com a carne, os pulmões se harmonizam com o corpo [como um todo], os rins se harmonizam com os ossos – qual desses não é uma harmonia interna?

No entanto, estas [últimas distinções] são apenas ditas a partir da perspectiva das transformações. Em suma, um movimento, e nada permanece imóvel; uma harmonia, e nada permanece em desarmonia. Os Cinco Órgãos e as cem articulações estão todos contidos nisso.”

Comentários sobre a Sexta Parte (“Três Harmonias”):

Esta seção é fundamental para o Taijiquan, pois define a intrincada rede de coordenação interna e externa que é o selo da mestria.

  1. As Seis Harmonias (六合 – Liù Hé): Chen Changxing categoriza as “Três Harmonias Internas” e as “Três Harmonias Externas”, que são pilares da teoria das artes marciais chinesas e do Taijiquan em particular.
    • Três Harmonias Internas (內三合 – Nèi Sān Hé): Focam na coordenação dos aspectos energéticos e mentais:
      • Coração (Mente) e Intenção (Xīn yǔ Yì Hé): O “coração” (que engloba mente, emoções e espírito) e a “intenção” (o pensamento consciente e direcional) devem estar alinhados. A mente comanda o movimento.
      • Qi e Força (Qì yǔ Lì Hé): A energia interna (Qi) deve ser o motor da força física, e não apenas a força bruta. O Qi deve manifestar-se como força.
      • Tendões e Ossos (Jīn yǔ Gǔ Hé): Refere-se à unificação da estrutura esquelética e do sistema de tendões, garantindo uma transmissão eficiente da força por todo o corpo.
    • Três Harmonias Externas (外三合 – Wài Sān Hé): Focam na coordenação das partes físicas do corpo:
      • Mão e Pé (Shǒu yǔ Zú Hé): A ação da mão deve ser sincronizada com a do pé correspondente ou oposto.
      • Cotovelo e Joelho (Zhǒu yǔ Xī Hé): Os movimentos dos cotovelos e joelhos devem estar conectados e se apoiar mutuamente.
      • Ombro e Quadril (Jiān yǔ Bǎng Hé): O ombro e o quadril (ou bacia) trabalham juntos para permitir a rotação e a transferência de peso eficientes, garantindo a conexão entre a parte superior e inferior do corpo.
  2. Harmonias Cruzadas e Adicionais: Chen Changxing vai além das seis harmonias básicas, mencionando harmonias “cruzadas” (e.g., mão esquerda com pé direito) e harmonias que conectam partes mais distantes (cabeça com mão, mão com corpo, corpo com passo). Isso destaca que tudo no corpo deve estar interconectado e trabalhando em uníssono.
  3. Conexões Órgãos-Partes do Corpo: Ele também reitera e expande a ideia da Parte Cinco, conectando órgãos internos a partes externas do corpo (e.g., coração e olhos, fígado e tendões), descrevendo-as como “harmonias internas” no contexto de “transformações”. Isso implica que a saúde e a vitalidade dos órgãos internos influenciam a qualidade e a expressão do movimento externo.
  4. A Essência da Unidade: A conclusão é poderosa: “Um movimento, e nada permanece imóvel; uma harmonia, e nada permanece em desarmonia.” Isso significa que, quando a unidade é alcançada, todo o corpo se move como uma entidade coesa e sincronizada, sem partes desconectadas ou rígidas. Os Cinco Órgãos e as cem articulações (o corpo inteiro) estão intrinsecamente envolvidos nesse processo.

Esta seção é o cerne da coordenação no Taijiquan, explicando como a mente, a energia e o corpo físico se unem para produzir um movimento fluido, poderoso e interconectado. As “Três Harmonias” são, de fato, a base para o “一以貫之” (ser penetrado por uma unidade) mencionado na primeira parte.


七、六进

既知三合,犹有六进。夫六进者何也?头为六阳之首,而为周身之主,五官百 骸莫不体此为向背,头不可不进也。手为先锋,根基在膊,膊不进,则手却不 前矣;是膊亦不可不进也。气聚於腕,机关在腰,腰不进则气馁,而不实矣; 此所以腰贵於进者也。意贯周身,运动在步,步不进而意则索然无能为矣;此所以必取其进也。以及上左必进右。上右必进左。共为六进,此六进者,孰非 著力之地欺!要之:未及其进,合周身毫无关动之意,一言其进,统全体全无 抽扯之形,六进之道如是而已。

7) 六進 (Liù Jìn) – Seis Avanços

“Já conhecendo as Três Harmonias, ainda há os Seis Avanços. Ora, o que são esses Seis Avanços?

  1. A cabeça (頭 – tóu) é o ‘líder dos seis Yang’ e o ‘senhor de todo o corpo’; os cinco órgãos sensoriais e as cem articulações não fazem senão tomá-la como referência para frente e para trás. A cabeça não pode deixar de avançar.
  2. A mão (手 – shǒu) é a vanguarda; sua base está no ombro (膊 – bó). Se o ombro não avança, a mão recua e não vai para frente. Assim, o ombro também não pode deixar de avançar.
  3. O Qi se concentra no pulso (腕 – wàn); o mecanismo está na cintura (腰 – yāo). Se a cintura não avança, o Qi fraqueja e não é real. É por isso que a cintura é valiosa por avançar.
  4. A intenção (意 – yì) permeia todo o corpo; o movimento está no passo (步 – bù). Se o passo não avança, a intenção se esvai e não tem capacidade para agir. É por isso que o avanço do passo é essencial.
  5. Ao avançar para a esquerda (上左 – shàng zuǒ), o lado direito (右 – yòu) deve avançar.
  6. Ao avançar para a direita (上右 – shàng yòu), o lado esquerdo (左 – zuǒ) deve avançar.

No total, são seis avanços. Esses seis avanços, qual deles não é um lugar de força e intenção?

Em suma: antes de avançar, todo o corpo não tem a menor intenção de se mover. Uma vez que o avanço é declarado, a totalidade do corpo não tem a menor forma de puxar ou se arrastar. O caminho dos Seis Avanços é assim, e nada mais.”

Comentários sobre a Sétima Parte (“Seis Avanços”):

Esta seção descreve a direção e o engajamento de várias partes do corpo no movimento para frente, crucial para a aplicação da força e a agilidade no Taijiquan.

  1. Avanço como Princípio Guia (進 – Jìn): O termo “jìn” (進) significa “avançar”, “entrar”, “progredir”. Aqui, ele não se refere apenas a mover-se fisicamente para frente, mas a um engajamento ativo e direcional de várias partes do corpo para sustentar e impulsionar o movimento.
  2. Os Seis Pontos de Avanço e Seus Papéis:
    • Cabeça (頭 – Tóu): É o “líder dos seis Yang” (seis meridianos Yang sobem e descem na cabeça) e o “senhor de todo o corpo”. Isso implica que a cabeça inicia, lidera e direciona o movimento. A cabeça não pode se atrasar, deve sempre ter uma intenção de avanço.
    • Ombro (膊 – Bó): Embora a mão seja a “vanguarda” (ponta que toca o oponente), a base da força da mão está no ombro (raiz do braço). Se o ombro não avança/engaja, a mão não tem força.
    • Cintura (腰 – Yāo): O Qi se concentra no pulso, mas o “mecanismo” que o ativa está na cintura. A cintura é o centro de poder; se ela não avança, o Qi “enfraquece” (氣餒) e a força não é “real” (不實). A cintura é essencial para a plenitude da força.
    • Passo (步 – Bù): A intenção (意) permeia o corpo, mas o movimento real e a ação eficaz dependem do passo. Se o passo não avança, a intenção não se concretiza. Isso destaca a importância do trabalho dos pés e do movimento corporal como um todo.
    • Avanço Recíproco: Ao mover o lado esquerdo para frente (上左 – shàng zuǒ), o lado direito (右 – yòu) deve avançar também (isto é, avançar em coordenação, não necessariamente fisicamente para frente na mesma direção, mas se engajar para apoiar o movimento). O mesmo se aplica ao avançar para a direita, o lado esquerdo deve avançar. Isso reforça o conceito de unidade e coordenação contralateral, fundamental para a estabilidade e a transmissão de força.
  3. Natureza Espontânea do Avanço (Reafirmação do “Princípio”):
    • Antes que a intenção de avançar se manifeste, o corpo está em total quietude, sem qualquer movimento.
    • No momento em que a intenção de avançar surge e é expressa, todo o corpo se move sem hesitação, sem “puxar” ou “se arrastar”. Não há partes separadas ou desconectadas.
    • Essa espontaneidade e totalidade de engajamento são a marca do verdadeiro “caminho dos Seis Avanços”.

Esta seção complementa as “Três Harmonias” ao descrever como essas coordenações se manifestam no movimento direcional, especialmente para frente. Ela mostra como cada parte do corpo, desde a cabeça que lidera até o passo que move o corpo, deve estar unida em um propósito comum de avanço.


八、身法

夫发手击敌,全赖身法之助,身法维何?纵,横,高,低,进,退,反,侧而 已。纵,则放其势,一往而不返。横,则理其力,开拓而莫阻。高,则扬其身, 而身有增长之意。低,则抑其身,而身有攒促之形。当进则进,弹其力而勇往 直前。当退则退,速其气而回转扶势。至於反身顾後,後即前也。侧顾左右, 左右恶敢当我哉。而要非拘拘焉而为之也。察夫人之强弱,运乎己之机关,有 忽纵而忽横,纵横因势而变迁,不可一概而推。有忽高而忽底,高底随时以转 移,岂可执一而论。时而宜进不可退,退以馁其气。时而宜退,即以退,退以 鼓其进。是进固进也,即退亦实以助其进。若反身顾後。而後不觉其为後。侧 顾左右,而左右不觉其为左右。总之:现在眼,变化在心,而握其要者,则本 诸身。身而前,则四体不命而行矣。身而怯,则百骸莫不冥然而处矣。身法顾可置而不论乎。

8) 身法 (Shēn Fǎ) – Método Corporal

“Ora, ao soltar a mão para golpear o inimigo, tudo depende da ajuda do método corporal. O que é o método corporal? É a verticalidade (縱 – zòng), a horizontalidade (橫 – héng), o alto (高 – gāo), o baixo (低 – dī), o avançar (進 – jìn), o recuar (退 – tuì), o inverso (反 – fǎn) e o lateral (側 – cè), e nada mais.

Mas isso não deve ser feito de forma rígida. Observe a força ou fraqueza do oponente, e opere o mecanismo de si mesmo. Às vezes, subitamente vertical e subitamente horizontal; a verticalidade e a horizontalidade mudam com a situação e não podem ser aplicadas de forma indiscriminada. Às vezes, subitamente alto e subitamente baixo; o alto e o baixo se transformam com o tempo e não podem ser discutidos de forma fixa.

Quando for o momento de avançar, não se pode recuar; recuar enfraqueceria seu Qi. Quando for o momento de recuar, recue; recuar impulsionará seu avanço. Assim, o avanço é verdadeiramente um avanço, e o recuo, na verdade, também ajuda o avanço.

Se o corpo vira para olhar para trás, o ‘atrás’ não é sentido como ‘atrás’. Se o corpo olha lateralmente para a esquerda e direita, a esquerda e a direita não são sentidas como ‘esquerda e direita’.

Em suma: o que está nos olhos (眼 – yǎn) é o presente, as mudanças estão no coração/mente (心 – xīn), e o essencial (要 – yào) para dominá-los reside no corpo (身 – shēn). Se o corpo avança, os quatro membros se movem sem comando [separado]. Se o corpo hesita, todas as cem articulações ficam paralisadas. Como pode o método corporal ser deixado de lado e não discutido?”

Comentários sobre a Oitava Parte (“Método Corporal”):

Esta seção descreve a dinâmica e a adaptabilidade do movimento corporal no Taijiquan, fundamental para a aplicação em combate e para a fluidez geral.

  1. As Oito Formas de Movimento (身法 – Shēn Fǎ): Chen Changxing define o método corporal através de oito pares de opostos, que não são apenas direções, mas qualidades de movimento:
    • Vertical (縱 – Zòng): Estender-se para frente com força imparável.
    • Horizontal (橫 – Héng): Abrir-se e expandir-se sem bloqueios.
    • Alto (高 – Gāo): Elevar-se com uma intenção de crescimento.
    • Baixo (低 – Dī): Afundar-se, condensar e contrair o corpo.
    • Avançar (進 – Jìn): Impulsionar a força com coragem.
    • Recuar (退 – Tuì): Recuar rapidamente, girando para reestabelecer a postura.
    • Inverso (反 – Fǎn): Virar o corpo para olhar para trás, transformando o “atrás” em “frente”.
    • Lateral (側 – Cè): Olhar para os lados, indicando que essas direções não são obstáculos. Esses pares representam as diversas manifestações e adaptações do corpo durante o movimento.
  2. Adaptabilidade e Espontaneidade: O texto enfatiza que essas formas de movimento não são rígidas, mas devem ser aplicadas de forma flexível e adaptável (“não de forma rígida”). O praticante deve “observar a força ou fraqueza do oponente” e “operar o mecanismo de si mesmo” de acordo com a situação. O movimento não é linear, mas “subitamente vertical e subitamente horizontal”, “subitamente alto e subitamente baixo”, sempre “mudando com a situação e transformando-se com o tempo”.
  3. Dialética do Avanço e Recuo: Um ponto crucial é a relação entre avançar e recuar.
    • Não se pode recuar quando se deve avançar, pois isso enfraqueceria o Qi.
    • Mas, quando se deve recuar, o recuo é uma ação ativa que “impulsionará o avanço” futuro. Isso é uma manifestação do princípio “退以鼓其進” (recuar para impulsionar o avanço), fundamental no Taijiquan, onde o recuo é uma forma de reacumular força ou criar uma oportunidade para o próximo ataque.
    • A percepção final é que, em um nível avançado, o “atrás” não é sentido como “atrás” e os “lados” não são sentidos como “lados”. Isso significa que a consciência do praticante abrange 360 graus, e não há pontos cegos ou direções desfavoráveis.
  4. Integração Mente-Corpo (Reiteração): O método corporal é a manifestação externa da intenção interna.
    • O que está nos olhos é a percepção imediata do presente.
    • As mudanças (estratégicas, adaptações) ocorrem no coração/mente.
    • Mas o essencial para dominar (握其要者 – wò qí yào zhě) tudo isso reside no corpo. Se o corpo se move corretamente (avançando), ele arrasta os membros de forma espontânea. Se o corpo hesita, todas as partes ficam paralisadas. Portanto, o método corporal é indispensável.

Esta seção descreve a arte de mover o corpo como uma unidade fluida e responsiva, capaz de se adaptar a qualquer situação de combate através de mudanças dinâmicas em sua forma, direção e nível, sempre mantendo a intenção clara e o corpo integrado.


九、步法

今夫四肢百骸主於动,而实运以步;步者乃一身之根基,运动之枢纽也。以故 应战,对战,本诸身。而所以为身之砥柱者,莫非步。随机应变在於手。而所 以为手之转移者,又在於步。进退反侧,非步何以作鼓动之机,抑扬伸缩,非 步何以示变化之妙。即谓观察在眼,变化在心,而转变抹角,千变万化,不至 穷迫者,何莫非步之司命,而要非勉强可致之也。动作出於无心,鼓舞出於不 觉,身欲动而步以为之周旋,手将动而步亦早为之催迫,不期然而已然,莫之 驱而若驱,所谓上欲动而下自随之,其斯之谓欤!且步分前後,有定位者,步 也。无定位者,亦步也。如前步进,而後步亦随之,前後自有定位也。若前步 作後步,後步作前步,更以前步作後步之前步,後步作前步之後步,前後亦自 有定位矣。总之:捶以论势而握要者步也。活与不活,在於步,灵与不灵亦在 於步。步之为用大矣哉!

9) 步法 (Bù Fǎ) – Método do Passo

“Agora, os quatro membros e as cem articulações [do corpo] são predominantemente responsáveis pelo movimento, mas [o movimento] é realmente executado pelo passo. O passo (步 – bù) é a base de todo o corpo e o pivô do movimento.

Por isso, o engajamento e o confronto em combate têm sua base no corpo, mas o que serve como pilar (砥柱 – dǐ zhù) para o corpo não é senão o passo. A adaptação a mudanças imprevistas reside na mão, mas o que serve como transferência e transformação (轉移 – zhuǎnyí) para a mão está, novamente, no passo.

Avançar e recuar, inverter e lateralizar – se não fosse pelo passo, como haveria o mecanismo de impulsionar o movimento? Levantar e rebaixar, expandir e contrair – se não fosse pelo passo, como se manifestaria a sutileza das transformações? Mesmo que se diga que a observação está nos olhos e a mudança está no coração/mente, e que as viradas e os cantos, as mil e dez mil transformações, não levam ao esgotamento – qual delas não é comandada pelo passo?

E isso não se consegue por esforço forçado. As ações surgem sem intenção consciente, o entusiasmo surge sem ser percebido. O corpo deseja mover-se, e o passo o envolve e o circunda. A mão está prestes a se mover, e o passo já a impulsiona e a apressa. Acontece de forma inesperada, mas por si só; não é impulsionado, mas como se fosse impulsionado. É o que se quer dizer com ‘se a parte superior deseja mover-se, a parte inferior a segue naturalmente’!

Além disso, o passo se divide em frente e trás. Aquilo que tem uma posição definida é o passo. Aquilo que não tem uma posição definida também é o passo. Se o passo da frente avança, o passo de trás também o segue; frente e trás têm sua própria posição definida. Se o passo da frente se torna o passo de trás, e o passo de trás se torna o passo da frente; e ainda, se o passo da frente se torna o passo da frente do passo de trás, e o passo de trás se torna o passo de trás do passo da frente – frente e trás também têm sua própria posição definida.

Em suma: nas técnicas de punho, ao discutir o ímpeto, o que detém o essencial é o passo. Ser ativo ou não ativo (活與不活 – huó yǔ bù huó) reside no passo; ser ágil ou não ágil (靈與不靈 – líng yǔ bù líng) também reside no passo. O uso do passo é verdadeiramente grandioso!”

Comentários sobre a Nona Parte (“Método do Passo”):

Esta seção eleva o “passo” (o trabalho dos pés e o movimento corporal como um todo) a uma posição de extrema importância, descrevendo-o como a fundação de toda a prática do Taijiquan.

  1. O Passo como Base e Pivô:
    • Embora as “cem articulações” se movam, o passo é o executor principal.
    • É a “base de todo o corpo” e o “pivô do movimento”. Isso significa que a estabilidade, a mobilidade e a capacidade de mudar de direção e aplicar força dependem do passo.
  2. A Interdependência com Mãos e Corpo:
    • O passo é o “pilar” do corpo em combate, sustentando a postura e a estabilidade.
    • É o que permite a “transferência e transformação” da força da mão, indicando que a força gerada pelas mãos é ineficaz sem o apoio e o ajuste do passo.
    • Todas as qualidades de movimento (avançar, recuar, virar, flexionar) são impossíveis sem o passo como “mecanismo de impulsionar o movimento”.
  3. Spontaneidade e Inconsciência do Movimento:
    • Chen Changxing reitera a ideia de que o movimento ideal surge “sem intenção consciente” (無心 – wú xīn) e o entusiasmo “sem ser percebido” (不覺 – bù jué).
    • O corpo se move, e o passo “o envolve e o circunda”. A mão está prestes a agir, e o passo já a “impulsiona e a apressa”. Isso é uma manifestação da unidade corpo-mente, onde o passo responde de forma reflexa e intrínseca à intenção.
    • A frase “se a parte superior deseja mover-se, a parte inferior a segue naturalmente” é novamente citada, enfatizando a coordenação orgânica de cima para baixo.
  4. A Mobilidade e a Percepção do Passo:
    • O passo pode ter “posição definida” (quando se assenta firmemente) ou “sem posição definida” (quando está em transição, vazio, ou ajustando).
    • O texto descreve a complexidade das relações entre os passos da frente e de trás, onde eles podem trocar de papel ou se subdividir em intenções de avanço. O ponto crucial é que essa troca e interação mantêm uma “posição definida” no contexto dinâmico, ou seja, há sempre um propósito e uma base.
  5. A Essência da Atividade e Agilidade:
    • A conclusão é direta: o passo é o “essencial” (握要者 – wò yào zhě) no Taijiquan.
    • A “atividade” (活 – huó, literalmente “vivo”) e a “agilidade” (靈 – líng, literalmente “espírito”, “sutil”) de um praticante residem no passo. Sem um trabalho de pés e um método de passo refinados, o praticante não pode ser verdadeiramente ativo nem ágil.
    • A afirmação final, “O uso do passo é verdadeiramente grandioso!”, resume sua importância inquestionável.

Esta seção destaca que a maestria no Taijiquan não está apenas na destreza das mãos ou na força do corpo, mas fundamentalmente na capacidade do praticante de mover e posicionar seus pés e seu corpo de forma fluida, adaptável e sempre conectada à intenção interna, garantindo a estabilidade e a eficácia de cada técnica.


十、刚柔

夫拳术之为用,气与势而已矣。然而气有强弱,势分刚柔,气强者取乎势之刚, 气弱者取乎势之柔,刚者以千钧之力而扼百钧,柔者以百钧之力而破千钧,尚 力尚巧,刚柔之所以分也。然刚柔既分,而发用亦自有别,四肢发动,气行谙 外,而内持静重,刚势也。气屯於内,而外现轻和,柔势也。用刚不可无柔, 无柔则还不速。用柔不可无刚,无刚则催逼不捷,刚柔相济,则粘,游,连, 随,腾,闪,折,空,棚,履,挤,捺。无不得其自然矣。刚柔不可偏用,用 武岂可忽耶。

10) 剛柔 (Gāng Róu) – Dureza e Suavidade

“Ora, o uso das técnicas de punho (捶 – chuí) depende apenas do Qi e do ímpeto (勢 – shì). No entanto, o Qi tem sua força e fraqueza, e o ímpeto se divide em dureza (剛 – gāng) e suavidade (柔 – róu).

Aquele cujo Qi é forte adota o ímpeto da dureza. Aquele cujo Qi é fraco adota o ímpeto da suavidade.

No entanto, uma vez que a dureza e a suavidade estão divididas, sua manifestação e aplicação também têm suas distinções:

Ao usar o duro, não se pode ficar sem o suave; sem o suave, o retorno (還 – huán) não é rápido. Ao usar o suave, não se pode ficar sem o duro; sem o duro, o empurrar/impulsionar (催逼 – cuī bī) não é rápido. Se a dureza e a suavidade se auxiliam mutuamente (剛柔相濟 – gāng róu xiāng jì), então aderir (粘 – nián), passear/vaguear (遊 – yóu), conectar (連 – lián), seguir (隨 – suí), saltar (騰 – téng), esquivar (閃 – shǎn), dobrar/quebrar (折 – zhé), esvaziar/ocupar (空 – kōng), apertar (擠 – jǐ) e pressionar (捺 – nà) – nenhum deles deixará de ser natural.

A dureza e a suavidade não podem ser usadas de forma unilateral. Como pode a prática marcial negligenciar isso?”

Comentários sobre a Décima Parte (“Dureza e Suavidade”):

Esta seção aborda a aplicação da força no Taijiquan, distinguindo entre força bruta/rígida (刚 – gāng) e suavidade/flexibilidade (柔 – róu), e enfatizando a interdependência e a integração de ambas.

  1. Fundamentação da Força (Qi e Ímpeto): As técnicas dependem do Qi (energia) e do ímpeto (势 – shì, a configuração ou a qualidade da ação).
    • Qi Forte vs. Qi Fraco: Um Qi forte tende a usar a dureza; um Qi fraco, a suavidade. Isso não significa que um é superior ao outro, mas que a qualidade do Qi subjacente influencia a manifestação da força.
    • Paradoxo da Força: O texto apresenta o famoso paradoxo: a dureza usa a força de “mil jun” para deter “cem jun” (indicando força bruta e direta), enquanto a suavidade usa a força de “cem jun” para quebrar “mil jun” (indicando inteligência, alavanca e adaptabilidade sobre a força bruta). Isso ilustra a superioridade da “habilidade” (巧 – qiǎo) sobre a “força” (力 – lì) no Taijiquan.
  2. Manifestação da Dureza e Suavidade:
    • Força Dura (剛勢 – gāng shì): Qi flui para fora, manifestando-se externamente (quatro membros em movimento), mas internamente o praticante mantém uma “quietude e peso” (靜重 – jìng zhòng). Isso significa que a força externa não é rígida, mas tem um centro estável e pesado.
    • Força Suave (柔勢 – róu shì): Qi se concentra no interior (Qi屯於內), enquanto o exterior se mostra “leve e harmonioso” (輕和 – qīng hé). Isso não é fraqueza, mas uma concentração interna que permite a adaptabilidade externa.
  3. A Interdependência (剛柔相濟 – Gāng Róu Xiāng Jì): Este é o ponto central.
    • Usar apenas o duro é ineficaz para o “retorno” (還 – huán), ou seja, a capacidade de recuperar a postura, redirecionar a força ou se adaptar. Sem o suave, a dureza se torna inflexível e previsível.
    • Usar apenas o suave é ineficaz para o “empurrar/impulsionar” (催逼 – cuī bī), ou seja, a capacidade de aplicar força para forçar o oponente a recuar ou perder o equilíbrio. Sem o duro (a base interna), a suavidade se torna vazia e sem poder.
    • A combinação e auxílio mútuo entre dureza e suavidade (剛柔相濟) é o que permite a manifestação natural e eficaz das técnicas fundamentais do Taijiquan: aderir (粘), passear/vaguear (遊), conectar (連), seguir (隨), saltar (騰), esquivar (閃), dobrar/quebrar (折), esvaziar/ocupar (空), apertar (擠) e pressionar (捺). Essas são as bases das “mãos que empurram” (Tui Shou) e outras aplicações.
  4. A Importância Crítica da Integração: A conclusão final é que “a dureza e a suavidade não podem ser usadas de forma unilateral”. A prática marcial não pode negligenciar essa interconexão, pois é ela que garante a eficácia e a maestria.

Esta seção resume a natureza da força no Taijiquan, que não é sobre rigidez versus fraqueza, mas sobre a dinâmica inteligente de força e adaptabilidade. É um princípio central que deve ser compreendido e incorporado para que as técnicas sejam vivas e eficazes.